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Artigo / Entrevista
Modelos econômicos da mídia

O condicionamento pela linguagem na cobertura jornalística dos protestos em Londres

Reproduzido do Sítio Mídia Independente. Autoria Rodrigo de Oliveira Andrade

A incorporação das diretrizes mercadológicas do capitalismo global pela imprensa contemporânea, sobretudo durante a década de 1990 do século XX, período em que o processo de globalização se intensificou, dando início à onda neoliberal, acarretou substanciais implicações para a metodologia organizacional da atividade jornalística.

A começar pela substituição, dentro das grandes redações, do conceito de ?missão jornalística? de formação de uma opinião pública pelo padrão jornalístico de ?prestação de serviço?, o qual se alinha à preocupação dos grandes veículos de comunicação em atingir melhores resultados econômicos (MARQUES, 2006). Daí a transformação, e padronização, da notícia em mercadoria, comercializada em dois campos distintos: o do anunciante e do leitor.

Ocorre, no entanto, que norteados por interesses comerciais, esses veículos acabam submetendo a consciência crítica-negativa de seus profissionais, proveniente da constante atividade reflexiva, à racionalidade capitalista, bem como ao seu modo de produção, subordinado à esfera da indústria cultural. De acordo com Marques (2006, p. 56), ?na maior parte desses órgãos, o jornalista deve cumprir uma pauta preestabelecida, (...) além de obedecer ao padrão dos manuais de redação?, podendo seu texto ser editado e, até mesmo, reescrito pelo seu editor-chefe, de modo a atender aos interesses do veículo. Nota-se, portanto, que, apesar de caracterizar-se como uma atividade majoritariamente intelectual, o jornalismo também se encontra, hoje, passivo ao processo de alienação.

Paralelamente, é importante ressaltar, a dominação da prática jornalística pela atividade econômica, aos poucos, desdobra-se no surgimento de um conservadorismo político que tende a boicotar análises críticas à ordem social estabelecida, bem como alternativas ao modelo econômico vigente. Assim, à grande mídia contemporânea caberia o posto de agente legitimador do pensamento único neoliberal, reprodutor da ideologia, interesses e preocupações de setores específicos das sociedades capitalistas.

Ademais, como consequência dessa postura, adotada pelos grandes veículos de comunicação de massa, os discursos sociais passam a considerar inevitáveis e até naturais as contradições intrínsecas à ordem social instituída. Isso porque a difusão do pensamento afirmativo promovida pela grande mídia encontra-se engajada no processo de adaptação desses indivíduos à mesma ordem, e de instituição de uma sociedade, no entender de Herbert Marcuse, unidimensional (MARQUES, 2006).

Logo, o condicionamento pela linguagem configura-se, aqui, como um importante instrumento de consolidação e, claro, manutenção dessa sociedade, haja vista que, a partir dele, o discurso jornalístico, a exemplo do discurso da publicidade, pode ?operacionalizar? ou ?instrumentalizar? conceitos, com vistas à diminuição sistemática de seu potencial crítico-reflexivo e à fixação de padrões de pensamento como clichês ou preconceito. Estes, por sua vez, são diluídos pelos grandes veículos de comunicação até tornarem-se verdades absolutas, praticamente incontestáveis. O caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, por exemplo, é emblemático. Frequentemente, no discurso jornalístico da grande mídia, o Movimento é associado a sentidos que o ligam ao medo ? perigoso, reacionário, radical, extremista etc.

Outro exemplo claro de fixação de padrões de pensamento como preconceito por parte da imprensa pode ser visualizado em fatos recentes, como os que marcaram a Noruega há aproximadamente quatro semanas. No caso, Anders Behring Breivik, um fundamentalista de extrema-direita, declarou-se responsável pela morte de sete pessoas em uma explosão em frente ao edifício do primeiro-ministro Jens Stoltenberg, em Oslo, e de cerca de outras oitenta em um tiroteio no acampamento de jovens do Partido Trabalhista na ilha de Utoya.

Contudo, como afirma o jornalista Raphael Tsavkko Garcia, em artigo publicado no sítio do Observatório da Imprensa em 25 de julho, ?a mídia internacional se apressou em apontar os culpados, os ?terroristas islâmicos?. A mesma pressa de sempre em apontar culpados fáceis e, por que não, convenientes?. No Brasil, segundo o jornalista, os grandes veículos de comunicação se contentaram em esconder as verdadeiras motivações de Breivik ? ?ele odiava o multiculturalismo, mas pouco se falou sobre seu fanatizado cristianismo?.

Em suma, fica evidente o fato de o distanciamento desses veículos das verdades que explicam o funcionamento das contradições das sociedades capitalistas modernas originar-se na opção, guiada por interesses econômicos, de disseminar representações ideológicas da realidade em detrimento à análise crítica da mesma.

Nenhum acontecimento ilustraria tão bem tal afirmação quanto os protestos que há cerca de dez dias acometem Londres, Inglaterra. Na semana passada, um vídeo com a entrevista que o sociólogo Sílvio Caccia Bava concedeu à Globo News sobre as motivações dos conflitos no país circulou pela internet via redes sociais, especialmente Twitter e Facebook (disponível aqui). Nele, os apresentadores, a todo instante, associam os jovens manifestantes a vândalos, saqueadores, ladrões, criminosos etc., apesar das tentativas do sociólogo em contextualizar os fatos.

No entanto, esqueceram-se, os apresentadores, de ressaltar alguns dados um tanto quanto relevantes para que seu público pudesse compreender o âmago das manifestações londrinas. Como bem destaca Marcelo Justo, em texto publicado dia 12 de agosto no sítio da Carta Maior, Tottenham, ponto de partida dos protestos, é a zona com o maior nível de desemprego de Londres e uma das dez mais pobres do Reino Unido. Como se isso não bastasse, 75% do orçamento público do bairro foi cortado. Com isso, clubes juvenis, por exemplo, desapareceram. Além disso, atualmente, a Inglaterra sustenta um dos mais altos índices de desigualdade sócio-econômica da história. Lá, de acordo com Justo, as receitas dos mais ricos crescem 273 vezes mais que as dos mais pobres.

Sendo assim, ao atribuir aos jovens manifestantes a alcunha de ?criminosos?, a grande imprensa objetiva minimizar o viés sócio-político dos protestos, ocultando os efeitos de um sistema econômico excludente. Nesse sentido, ditada pelos grandes veículos de comunicação, submissos à lógica neoliberal, a cobertura dos protestos na Inglaterra apenas contribui para a formação de uma sociedade cada vez mais desinformada, alienada e fragmentada em classes econômicas díspares.

* Rodrigo de Oliveira Andrade é jornalista.

Publicado em 17 de Agosto de 2011
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