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Artigo / Entrevista
Qualidade da informação

Pesquisa internacional mostra principais desafios éticos

Bia Barbosa

Levantamento realizado pela Aliança Internacional dos Jornalistas avaliou a prática da produção de informação em 43 veículos de 7 países diferentes, incluindo o Brasil.

Queda de tiragem e de pontos na audiência; concorrência da internet; crise de modelo econômico e perda de credibilidade. A imprensa tradicional, no Brasil e na maior parte dos países, enfrenta desafios significativos, que tem levado uma parte importante dos veículos a investir na diversificação de conteúdo para se diferenciar em meio à avalanche de informações disponíveis ao grande público. Mas em relação à qualidade? Diante da demanda crescente por notícias confiáveis e credíveis, que respeitem a ética jornalística, e por uma relação mais próxima com os cidadãos leitores, ouvintes e telespectadores, quais tem sido as respostas da grande mídia?

Para desvendar um pouco essa pergunta, a Aliança Internacional de Jornalistas, associação que reúne profissionais em diversos países em torno da questão da responsabilidade da imprensa em relação às sociedades, lançou, em 2010, a pesquisa «Panorama – prática ética e responsabilidade nos veículos de comunicação». Em 2012, a terceira edição do estudo, estruturado como um censo comparativo, analisou 24 jornais, 10 emissoras de TV e 9 de rádio, em 7 países: França, Bélgica, Inglaterra, Suíça, Espanha, Índia e Brasil.

Cada veículo respondeu a um questionário com 33 perguntas, como existência ou não de um código interno para a redação; de sistemas para a identificação e correção de erros; métodos para a solução de conflitos de interesses; transparência e relação com o público, entre outros. A ideia não é analisar o conteúdo publicado, mas seu processo de produção, da coleta de dados ao retorno acerca da informação veiculada.

A possibilidade de uma análise comparativa com outros veículos tem interessado os principais jornais e emissoras europeias. Em países como a França, por exemplo, onde o tema da responsabilidade social da mídia está cada vez mais em voga, os maiores grupos de comunicação franceses lançaram, por iniciativa do principal canal de TV, a TF1, em 2012, um fórum para tratarem conjuntamente da questão.

No Brasil, os desafios são maiores, a ponto de três grandes veículos convidados a integrar o estudo este ano – TV Globo, Folha de S.Paulo e Valor Econômico (este tendo participado da pesquisa em 2010 e 2011) – sequer terem aceito dar sua contribuição à pesquisa em 2012. As redações alegaram falta de tempo, o que revela a pouca importância dada por parte da grande mídia brasileira ao assunto. Nos demais países pesquisados pela Aliança Internacional de Jornalistas, jornais como El País (Espanha), The Guardian (Inglaterra), Le Monde, Le Figaro, Libération e Le Parisien (os quatro maiores franceses) e as principais emissoras de rádio e TV, como a inglesa BBC e as francesas France 24, TF1 e France 2 integram o estudo há três anos consecutivos .

Participaram do Panorama 2012 no Brasil os jornais O Estado de S.Paulo e Cruzeiro do Sul (2o maior do interior de SP), as emissoras TV Cultura e TV TEM (grupo afiliado às Organizações Globo no interior de SP), e a Rádio CBN.

Códigos e deontologia jornalística
Uma análise das respostas concedidas por tais veículos revela pontos fortes e frágeis do nosso jornalismo. Um primeiro aspecto positivo é a adoção de manuais de redação. À exceção da TV Cultura, os demais adotam um manual para orientar os jornalistas. O Estado de S.Paulo editou ainda um Código de Conduta, voltado a todos os profissionais do grupo, e o Cruzeiro do Sul possui normas internas para questões éticas e de conduta jornalística, criadas a partir da realidade cotidiana da redação. Por outro lado, a maioria não tem procedimentos formais de checagem e verificação do cumprimento dos próprios manuais e códigos adotados, restando às chefias de redação acompanhar o resultado final.

Em termos de organização deontológica interna, outra carência. Ao contrário de grande parte dos veículos pesquisados em outros países, a imprensa brasileira não instituiu uma instância conhecida como Conselho de Jornalistas (ou Conselho de Redatores), que funciona como um espaço, dentro de cada veículo, para o debate de questões éticas e a avaliação interna do resultado da produção de cada meio por sua equipe. Somente a TV TEM tem como prática a avaliação do conjunto da edição anterior do telejornal durante a reunião de pauta do telejornal seguinte. No Cruzeiro do Sul, um Consultor Editorial analisa individualmente as edições em um boletim interno e faz sugestões à redação, desde a concepção da pauta até a avaliação de novos produtos.

No Estadão, o retorno crítico sobre a produção jornalística é feito por um Grupo de Avaliação Editorial externo à redação, que se reúne semanalmente e faz um relatório com notas de -5 a +5 para o desempenho da semana anterior em comparação com os concorrentes O Globo e Folha de S.Paulo. Na TV Cultura, emissora pública, é o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta que, reunido uma vez por mês, pode opinar sobre a cobertura jornalística. Já a TV TEM faz regularmente pesquisas qualitativas sobre sua programação.

Relação com o público
Na relação com o público geral, o principal instrumento utilizado pelos veículos pesquisados, além de um email de atendimento convencional, é a sessão de «carta dos leitores» nos jornais ou websites dos veículos audiovisuais. Alguns informam responder a todos os leitores/ouvintes/telespectadores, mas o contato direto com os jornalistas é raro. Em nenhum deles há a figura do ombudsman, o que faz com que a percepção geral do público não seja avaliada de forma sistemática. Somente a TV Cultura, durante um período curto, contou com um ombudsman, mas diante de uma relação conflituosa com a redação, o posto foi fechado.

Em casos de pedidos de direito de resposta, a postura da imprensa brasileira é diversa. Em casos de erro de informação, todos afirmam dar a correção na edição seguinte, mesmo que não haja solicitação. Mas quando se trata de casos de ofensa, discordância da abordagem feita, reclamações etc, as reações são múltiplas. Segundo o Estado de S.Paulo, o jornal, a critério dos editores, pauta uma nova matéria para retificar ou acrescentar informações relevantes que tenham sido omitidas. No Cruzeiro do Sul e na TV TEM, o direito de resposta de igual tamanho e destaque, como determina a Constituição Federal, é concedido somente por decisão judicial. Na rádio CBN, os apresentadores podem eventualmente ler ao vivo mensagens de reclamação dos ouvintes, mas não sem uma abordagem crítica, ou seja, o direito de resposta pode ser dado, mas já seguido de uma réplica da emissora.

Ética profissional
A questão ética tem sido um dos principais questionamentos por parte da população brasileira em relação à imprensa tradicional. Lacunas na prática jornalística tem sido, inclusive, um motivo para a queda da credibilidade da imprensa no Brasil. Os veículos analisados na pesquisa Panorama, no entanto, tem envidado esforços pra nadar contra esta corrente.

Na TV Cultura, o jornalismo raramente trata de assuntos policiais e, quando da veiculação de cenas mais fortes, não há sensacionalismo. O Estatuto da Criança e do Adolescente é respeitado e, em casos de denúncia de corrupção, a emissora afirma não haver pré-julgamento. O mesmo vale para a CBN. Em casos policiais, a TV TEM afirma não divulgar a imagem de vítimas ou suspeitos e respeita os direitos humanos dos entrevistados. No Estado de S.Paulo, a orientação aos jornalistas é proteger a identificação de crianças, não atrapalhar o trabalho de investigação policial em casos de sequestro e ter atenção à questão da presunção de inocência. O jornal Cruzeiro do Sul anunciou que publicaria normas internas para a cobertura de fatos policiais e que envolvam direitos humanos.

Os veículos também buscam garantir a separação entre o conteúdo editorial e a publicidade, tendo todos departamentos exclusivos para cada função. Na TV Cultura, vale destacar, não há veiculação de publicidade entre 8h30 e 19h, período considerado “horário infantil”. Em relação a eventuais pressões econômicas dos anunciantes, todos afirmam não se submeter às mesmas, apesar de admitir que elas existem. Já em relação a conflitos entre a redação e os proprietários dos veículos, os meios entrevistados pela Aliança declararam que eles não existem ou são extremamente raros, prevalecendo a liberdade de expressão dos jornalistas e o interesse do público.

Meio ambiente
A preocupação com a preservação do planeta, não apenas do ponto de vista jornalístico mas da prática de funcionamento dos veículos, mereceu um capítulo especial da pesquisa Panorama. E o resultado mostrou que os meios brasileiros ainda tem muito no que avançar neste campo. Se por um lado a maioria já adotou práticas mais simples que demonstram preocupação ambiental – como reciclagem de lixo e papel e economia de energia –, nenhum utiliza energia renovável e a minoria possui uma política de gestão sustentável de seus equipamentos.

Neste aspecto, o grupo Estado é o mais avançado, adotando práticas de reutilização de água, troca de 25% do parque de computadores por unidades que consomem menos energia e substituição de veículos por modelos mais econômicos e menos poluentes. O encalhe do jornal também é vendido para um empresa de reciclagem. Porém, em nenhum caso, a escolha dos fornecedores leva em conta critérios sustentáveis.

Para além das obrigações legais
Por fim, a pesquisa Panorama perguntou aos veículos sobre sua prática e responsabilidade social para além das obrigações legais, abordando questões como o apoio à educação para a mídia, formação continuada dos profissionais, transparência no balanço financeiro das empresas e as considerações do veículo sobre responsabilidade social empresarial.

Algumas práticas merecem destaque. A TV TEM, por exemplo, informou que transmite de forma constante, ao conjunto de seus funcionários, o balanço da situação financeira da emissora – apesar de não torná-lo público.

O jornal Estado de S.Paulo criou a Diretoria de Desenvolvimento Editorial, que organiza cursos de atualização e aprimoramento para jornalistas, para atender necessidades específicas. Além disso, o veículo estimula o aperfeiçoamento de profissionais apoiando-os, inclusive financeiramente, na realização de pós-graduações, mestrados e cursos de atualização no Brasil e no exterior.

O suplemento infantil do jornal Cruzeiro do Sul é distribuído nas escolas públicas da região (100 mil exemplares) e a redação desenvolve um trabalho de acompanhamento com os professores que utilizam o jornal em sala de aula.

Na CBN, a pauta da responsabilidade social empresarial é uma causa. Três vezes por semana, a rádio veicula um boletim produzido pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social, assim como o quadro Voz do Cidadão (duas vezes por semana) e o boletim Cidades Sustentáveis, em parceria com a Rede Nossa SP. A CBN, no entanto, deixou de veicular, em dezembro de 2011, o programa "Notícia em Foco", que fazia análise da mídia. A maioria dos veículos pesquisados não desenvolve iniciativas permanentes de educação para a mídia, mais uma lacuna da nossa imprensa.

Em 2013, a pesquisa Panorama será atualizada. No Brasil, novas redações de emissoras de rádio, TV e jornais cotidianos em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades serão convidadas a participar do levantamento. A intenção do projeto, assim, é valorizar os critérios deontológicos nos quais se baseiam os veículos e melhorar a conduta ética e profissional, rumo à construção de uma cultura de responsabilidade social e ambiental das empresas de comunicação.

Diante de uma população com acesso crescente aos conteúdos midiáticos, o exercício ético e responsável do jornalismo se mostra cada vez mais necessário. A expectativa, portanto, é a de que o estudo incentive a aproximação dos profissionais com seu público e a prática da transparência na produção de informação no Brasil, tendo como resultado uma imprensa confiável e respeitada, que cumpra com seu verdadeiro papel de transformação social. Trata-se de uma questão central e estratégica não apenas para os jornalistas, redatores e dirigentes de empresas de comunicação, mas para o aprofundamento e consolidação da própria democracia brasileira.

Para consultar a íntegra do estudo, acesse http://panorama.alliance-journalistes.net

1 No caso das TVs, dois anos, já que o primeiro levantamento foi restrito aos meios impressos.

Publicado em 4 de Novembro de 2014
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